quinta-feira, 27 de março de 2014

Verena decide morrer


A morte nos causa uma tristeza egoísta, porque somos deixados, ficamos aqui nesta vida mundana, irreal, mentirosa, e o outro vai embora. 
É o sentimento de perda que angustia. Ninguém quer perder. Como se tivéssemos propriedade sobre alguma coisa. Como se fôssemos donos de algo ou alguém. 
E junto com a morte vem a ideia inconsciente da impotência humana. E ainda, a preeminência dos vermes. Tão abominados, enojados, e que com sua pequenez e insignificância irão comer seu corpinho tão altivo, seu cerebrozinho tão inteligente, exceto seu siliconizinho, que vai ficar lá enlameado. 
E nenhum iate, helicóptero, casa na encosta do Pacífico, mansão, corvette, ou diamante, poderá te salvar. Esses ficam aqui, na posse passageira de outro "dono".
A angústia vem do saber que não se pode mais ter com aquele ser que morreu. Quem aproveitou dele, bem, quem não aproveitou, não terá mais oportunidade, perdeu. 
Toda partida, despedida, traz dor para quem fica. Quem vai, se envolverá em outras viagens, paisagens. E quem fica, foi abandonado. Fica lá no cais do porto, abanando a mão para quem foi, até perder o sujeito de vista e nunca mais vê-lo.
É a certeza pessoal da morte que nos faz humanos, e traz a consciência da vida como algo que deve ser levado a sério. 
É a morte que humaniza, porque nos faz mortais, e torna a vida única e irrepetível. A morte é absoluta, pessoal e intransferível. 
É um mistério a ser decifrado com uma experiência única. Além de Jesus, ninguém voltou da morte para contar como foi. Ou não estou bem informada?! 
E me parece tão incoerente empenharmos a vida e nossas tarefas cotidianas como forma de resistência à morte, que sabemos ser inevitável. 
É, pobres mortais(!), a morte não é apenas necessária, é o padrão rígido do necessário na nossa existência.  
A morte não deveria ser encarada como uma tristeza. Nós, ocidentais, a encaramos assim, por sermos pessoas de pouca fé. Os asiáticos, orientais, pensam diferente. Ainda descubro o que tem eles de tão diferente, e não me refiro somente ao contexto histórico e geográfico, falo de genética mesmo.
Eu, sobre a minha morte vos digo, não quero choros, nem velas. E aliás, podem me jogar num buraco qualquer. Um corpo sem vida não precisa de companhia, cuidados, roupas lindas, ou ser embrulhado em caixas de valor.
A morte está por ae, por aqui, solta, de olho em mim, o tempo todo, do meu lado direito, esquerdo, sobre meus ombros, à espreita. 
E eu, preparada para olhá-la de frente. 
Eu partirei feliz. Estou pronta pra morrer a qualquer momento.
A vida é um milagre. E morrer pra mim é lucro. 
Não tenho medo de envelhecer. Meu medo é não me sentir bastantemente viva. Do resto, eu já sei o que tenho que saber, e sei pra onde vou. 

E vocês, pessoas que clamam tanto a Deus, ao se deparar com a morte, sabem?

12 comentários:

  1. Bela, bessima, eu não sei pra onde vou, mas, se você sabe, me leva com vc?

    ResponderExcluir
  2. CARACA, QUE SEGURANÇA, EU TENHO MEDO DE MORRER.

    ResponderExcluir
  3. A morte é temida, ninguém sabe pra onde vai, porque vc teria esse privilégio?

    ResponderExcluir
  4. Feliz demais, Vc voltou, yeahhhhhh! Te amo Salomé.

    A Morte Chega Cedo

    A morte chega cedo,
    Pois breve é toda vida
    O instante é o arremedo
    De uma coisa perdida.

    O amor foi começado,
    O ideal não acabou,
    E quem tenha alcançado
    Não sabe o que alcançou.

    E tudo isto a morte
    Risca por não estar certo
    No caderno da sorte
    Que Deus deixou aberto.

    Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'

    ResponderExcluir
  5. A morte é só o começo de uma desejada eternidade. Somos mortais, a morte é mesmo necessária, mas não deixa de ser triste. Eu fico triste, tristíssimo quando alguém que amo se vai.

    ResponderExcluir
  6. Me lembro do dia que a morte chegou bem perto de mim, olhou dentro dos meus olhos, e eu não desviei, olhei também. Ela me deu um tapa nas costas e disse, até breve.

    ResponderExcluir
  7. A maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos.
    Neruda

    ResponderExcluir
  8. Gosto muito do jeito que vc escreve e expõe suas ideias, mesmo que nem sempre concorde com tudo. Você escreve por dentro, com muita propriedade e segurança, a espontaneidade então é impressionante. Sou um admirador da sua escrita.

    ResponderExcluir
  9. V, parabéns pelo jeito gostoso e autêntico de escrever. Espero que continue postando.
    Sobre o título, preferiria "Verena entende morrer", sei que fez uma menção...
    Associamos à morte, coisas tristes e término da existência...
    Poucos projetam nela a ideia de futuro. Somos tão ignorantes sobre o futuro que em nossa única associação lógica e racional sobre ele, a dor e a perda é o que mais nos chama à atenção.
    Gostei muito do texto. Parabéns.

    ResponderExcluir
  10. Salomé, sempre questionando e arrebatando tudo.

    ResponderExcluir
  11. Sergio Evangelista2 de maio de 2014 às 12:28

    A morte é a vida que continua. Não me importa de fato o que farão comigo, mas o que eu penso em fazer com os outros. Que bom que voltou a publicar.

    ResponderExcluir